Muitas pessoas percebem uma voz em sua mente; outras, não.
“Ah, você não deveria ter dito aquilo.”
“Ah, mas se eu falhar…”
“Nossa, eu deveria ter respondido isso.”
“Você é uma estúpida…”
“Isso não é para mim.”
“Nossa, pelo jeito que ela se veste, ela é…”
“Ela não é de confiança, pois fez isso…”
Mas o que é a voz na sua cabeça?
São os pensamentos. Aquele diálogo mental incessante. Muitas pessoas percebem os pensamentos como sendo elas mesmas. Mas poucos percebem que os pensamentos são repetitivos e geram uma narrativa sobre nós e sobre como vemos e nos relacionamos com o mundo à nossa volta.
Pensamentos e autoestima
Para algumas pessoas, os pensamentos não são um distúrbio, pois não seguem uma narrativa negativa contra elas mesmas. Por exemplo, para uma pessoa com autoestima elevada, esses pensamentos formam uma narrativa mais positiva do que negativa sobre si; ou seja, seus pensamentos não a criticam excessivamente.
Então, apesar de essas pessoas também estarem identificadas com os próprios pensamentos — como a grande maioria está —, podemos dizer que seu constante diálogo mental não torna a vida disfuncional nem gera sofrimento percebível.
Ao contrário, para uma pessoa com baixa autoestima, que não tem senso de autovalor, esses pensamentos podem ser disfuncionais e gerar sofrimento evidente. Pois esses pensamentos podem, por exemplo, girar em torno da necessidade de validação externa, da comparação constante com os outros e da autocrítica incessante.
O diálogo mental e a antecipação ilusória
Esse diálogo mental também causa a antecipação ilusória de situações: você já se pegou pensando em como seria a conversa que teria com alguém, o que iria falar? Você já se pegou imaginando, com raiva, situações hipotéticas de como outras pessoas iriam se comportar?
Isso é diálogo mental, são pensamentos, que eu escolhi chamar de vozes na cabeça, pois essas vozes não somos nós. Talvez, para alguns, seja difícil entender este conceito, mas o fato é que pensamentos não são quem somos; são histórias, crenças e conceitos que temos armazenado em nossa mente subconsciente: traumas, experiências de vida, modelos e padrões sociais.
Tudo isso fica armazenado e se transforma em uma narrativa repetitiva sobre quem somos, o que merecemos, como vemos o mundo… mas isso é somente a nossa visão, não a realidade por si mesma, pois a realidade é filtrada por tudo o que temos armazenado na mente subconsciente, que determina como vemos o mundo.
A ilusão da voz mental
A voz na nossa cabeça, na verdade, esconde quem somos, pois são imaginários. Vivemos num mundo imaginário porque vivemos (em maior ou menor grau) dentro da nossa cabeça, seguindo um pensamento atrás do outro.
Existem 8 bilhões de pessoas no mundo, e cada uma delas vê a realidade de uma forma diferente, ou seja, de acordo com os próprios filtros mentais.
Passamos a vida pensando que estamos certos, queremos ter razão, julgamos os outros pelo que acreditamos e fazemos os outros parecerem errados. E é realmente fascinante como podemos viver tão enganados, pois não conseguimos realmente assimilar o fato de que não vemos a realidade pelo que ela é, mas pelo nosso filtro mental, que é a nossa forma de ver o mundo e, como já disse acima, consequência de crenças adquiridas quando crianças, das mensagens sociais, do modo como fomos criados e das nossas experiências.
Você já ouviu falar que vivemos no piloto automático 95% do tempo? Então, quando estamos no piloto automático, estamos vivendo de acordo com a nossa mente subconsciente, que é criada através de tudo o que vivemos no passado.
Consequentemente, vivemos o futuro com base no passado, pois, vivendo no piloto automático, não há espaço para acreditar diferente, para pensar diferente, para abrir-se a novas perspectivas. E estamos à mercê dessas vozes mentais, desse diálogo interno repetitivo, e muitas vezes não percebemos quão repetitivo ele é.
A saída: despertar do piloto automático
A única saída para deixar de viver à mercê desse diálogo mental, que nos impede de ver a realidade, quem realmente somos e o nosso potencial como seres humanos, é sair do piloto automático. Mais fácil dizer do que fazer, mas não é impossível.
O mundo quer que façamos o contrário: a psicologia e a neurociência manipulativa existem por trás de tudo que consumimos — redes sociais, estratégias persuasivas, mensagens embutidas em propagandas — para nos convencer de que precisamos deste ou daquele produto, desta ou daquela marca, para sermos bons o suficiente, importantes, para ter status; ou seja, para nos enquadrar.
É interessante ver que as mesmas ferramentas que podemos usar para despertar desse sonho mental em que vivemos (se as conhecemos) são usadas para nos manipular.
Muitas pessoas estão totalmente identificadas com a ilusão mental, e raramente acessam uma outra perspectiva. Se você está lendo até aqui, é porque, de alguma forma, você tem noção, em maior ou menor grau, com definições similares ou diferentes do que estou falando.
O fato é que esta ilusão, este diálogo mental quando disfuncional, nos afasta de quem somos, das nossas capacidades, do ser humano e da luz que somos, e nos faz sofrer, nos limita e nos faz viver emaranhados em dramas, interpretações, compulsões, insatisfações, competição, concorrência, comparação, etc.
O impacto da voz mental incessante
Limitação. No sentido mais profundo que esta palavra possa ter:
- Limita você de conhecer quem você é por trás da narrativa mental que te define.
- Limita você de criar, de manifestar seu potencial profissional.
- Limita seus relacionamentos porque você vê, julga e interage com as pessoas através de filtros mentais e não da sua essência; você não vê o outro pelo que ele é.
- Limita sua liberdade de viver uma vida plena — pois vive como em uma matriz.
- Limita sua capacidade de amar e ser amado.
- Limita sua felicidade, pois a voz incessante te faz buscar fora o que só pode ser encontrado dentro. Aí você procura prazeres confundindo-os com felicidade, prazeres são efêmeros.
Vamos aprofundar: o Ego
Os pensamentos, ou a voz na sua cabeça, são o Ego falando de uma perspectiva espiritual — espiritual, não religiosa.
O ego é como uma energia e, por isso, é tão forte; é tão difícil acalmar a mente.
O objetivo do ego é nos distrair, nos fazer de marionete, pulando de um pensamento a outro, de um desejo a outro, de um foco a outro, de um julgamento a outro, de uma crítica a outra, de uma ilusão a outra, de um drama a outro, etc., para nos impedir de ser o que somos, para nos manter aprisionados nessa ilusão mental.
O ego é este diálogo interno que não leva a nada, pois está remoendo o passado ou se preocupando com o futuro. Enquanto isso, perdemos o momento presente, a única coisa que existe.
É importante notar que planejar e se programar para o futuro, definir objetivos, etc., é positivo se feito de maneira saudável e prática. Mas viver se preocupando, hipnotizado pelo medo, ansiedade, esperando para começar a viver e ser feliz “quando isso ou aquilo acontecer”, é ego. E essa é a sua função: nos tirar do aqui e agora, fazendo-nos perder a beleza da vida e viver nesta energia mental.
E o passado? Quanto remuginamos! Algumas pessoas não muito; uma grande parte, muitíssimo.
“O que poderia ter sido, o que foi falado, o que foi injusto, as escolhas erradas…”
Tudo isso aumenta a força dessa energia que gera sofrimento.
Exatamente: sofrimento, pois o sofrimento existe somente dentro da nossa cabeça. Não sofremos pelos fatos, mas pelas interpretações e julgamentos egóicos dos fatos. Sofremos porque achamos injusto, porque não era para ter acontecido, porque não aceitamos… na verdade, o ego sofre; o ego gosta deste drama.
Observando o ego em ação
Você percebe quando surge um comentário sobre alguém? Parece que aquela energia negativa vem como uma nuvem pesada e nos hipnotiza para entrar nisso: falar dos outros, fofoca, notícias negativas, ações alheias que nos enchem de raiva. É o ego que sofre, porque se sente ferido, diminuído… e fica repetindo na nossa cabeça coisas que não têm relação com a realidade, fruto dessa energia negativa.
Com isso, não quero dizer que as pessoas não nos magoam ou que não sejam mal-educadas, mas e nós? Será que não fazemos o mesmo com os outros?
Uma coisa são fatos e ações adequadas; outra é drama e reimaginação mental. Com ações adequadas, resolvemos o problema e seguimos em frente. Isso significa procurar direitos legais, determinar com quem se quer conviver, quem é amigo e faz parte da sua vida e quem não é. Mas não tomar ações e apenas reclamar, contar para os outros e apontar culpados: isso é drama, conversa mental negativa, não leva a nada, só cria caos.
É tão fácil apontar para os outros, mas o fato é que o mundo à nossa volta é reflexo de nós mesmos. Li esta frase em algum lugar:
“Se você não está gostando do que está recebendo, observe o que está omitindo.”
É muito difícil admitir que também erramos e praticamos injustiças, pois o ego quer se esconder para nos distrair da nossa parte divina.
Por exemplo, se alguém ajudava a organizar um evento e deixou um amigo entrar de graça, ficamos com raiva e achamos injusto por termos pago o ingresso. Mas será que, no lugar dela, não teríamos feito a mesma coisa?
Por isso, é melhor refletir do que julgar. Quando algo nos faz julgar, pergunte:
“Em que área da minha vida ajo dessa forma?”
Ninguém é imune; todos somos vítimas do ego individual e coletivo. Quanto mais nos tornamos conscientes e capazes de observar essas dinâmicas, mais o ego enfraquece. Contribuímos para a nossa autoconsciência e para a consciência coletiva. Quanto mais somos positivos, mais atraímos coisas positivas, e passamos a ver o mundo de forma positiva, contribuindo para essa positividade.
Como nos tornar mais conscientes e diminuir o sofrimento
É um percurso, um caminho diário, uma intenção:
- Comece com uma intenção sincera: deseje parar de ser vítima dos pensamentos.
- Diminua um pouco o ritmo quando possível, para sair do piloto automático. Faça as coisas percebendo o que está fazendo, assim a sua mente para de correr.
- Quando sentir emoções negativas, pare, observe o que causou, questione: isso é um fato ou uma história da minha cabeça?
- Escreva. Se a cabeça estiver agitada, pare e escreva os pensamentos; você os vê de longe e fica mais fácil percebê-los.
- Selecione as pessoas com quem se relaciona. Escolha pessoas que estão em sintonia com seu crescimento pessoal e espiritual.
- Evite fofocas. Quando se perceber falando mal dos outros ou julgando imediatamente, lembre-se: seu único objetivo na vida é melhorar a si mesmo. É o único modo de contribuir para a elevação da consciência dos outros e da humanidade.
- Observe a história que conta para si mesmo sobre seus limites, o que acredita sobre os outros, sobre o mundo e sobre si.
- Se não gosta de algo, pergunte-se: qual é a história que conto para mim sobre essa pessoa? Por que ela me incomoda? Com o tempo, será possível observar áreas da sua vida em que age da mesma forma.
- Observe se você tem uma narrativa de vítima. Essa narrativa só faz você permanecer no mesmo lugar. Temos a tendência de achar que nossos problemas são maiores, que a vida para nós é mais difícil, que outros são favorecidos — isso é tudo ilusão. Tudo tem um motivo, e não podemos comparar nosso interior (como nos sentimos) com o exterior dos outros. É preciso mudar a narrativa mental, pegando a responsabilidade (que não significa culpa) pela nossa situação. Só assim podemos transformá-la.
- Procure ajuda se necessário.
- Busque reconhecer suas capacidades e as coisas boas que faz; escreva-as; isso te fortalece.
- Medite, se possível — pelo menos alguns minutos por dia. Com o tempo, será mais fácil observar e perceber que você não é seus pensamentos.
- Faça Yoga; ela ajuda a desbloquear energias estagnadas no corpo devido a pensamentos negativos, faz bem à saúde emocional, física e espiritual. Estou falando de yoga verdadeira, e não apenas aulas de alongamento, que também são para o corpo, mas não têm o mesmo efeito emocional e espiritual.
- Esteja em contato com a natureza sempre que possível.
- Coloque seu telefone no silencioso. Não seja hipnotizado por mensagens sem sentido. Estabeleça regras sobre quando verá suas mensagens ou, pelo contrário, reserve períodos sem telefone, dando espaço à sua mente.
- Filtre as informações que consome, como novelas ou telejornais sensacionalistas. Procure balancear o que consome. É difícil que os meios de comunicação divulguem coisas boas, pois o negativo chama atenção. Mas há muitas coisas boas acontecendo, muitas pessoas fazendo trabalho voluntário… escolha seus canais de informação.
- Procure ouvir perspectivas diferentes, conhecer pessoas novas e observar que todos somos diferentes. Não faz sentido querer sempre ter a última palavra e ter razão.
- Admita erros sem culpa e coloque intenção de fazer melhor da próxima vez.
- Ajude o próximo, se puder, e não atrapalhe.
- Ame incondicionalmente; este é o objetivo maior. Quando isso acontecer, não existirá mais espaço para o ego.